“Ela nasceu negra, pobre em um país que despreza os diferentes. Cresceu e
foi ser Enfermeira em um país que desconhece a profissão e teima em não
valorizá-la. Lutou contra o sistema discriminatório da vida universitária
que insistiu em lhe dificultar a caminhada. Formou-se e foi cuidar de seus
semelhantes na esperança vã de ser reconhecida como igual.
Quis a vida, não satisfeita por tê-la premiado com tantas adversidades,
pregar-lhe mais uma e lhe tirou inesperadamente alguém que era seu norte,
seu apoio e, quem sabe, o único ser que lhe destinou amor além de ter-lhe
dado a vida. E ela perdeu seu rumo e se refugiou na mente confusa, cansada
de tantos revezes. E ela se mascarou para o mundo não perceber quem ali
estava, ainda na esperança de ser acolhida, tratada como igual.
O mundo não seria o mundo se tivesse resolvido ser solidário àquele ser
humano por trás da máscara. O mundo seguiu seu ritmo e tornou aquele ser
em uma caricatura. Nenhuma surpresa quando jovens e adultos transformaram
o ser real em virtual. Criaram-se comunidades na rede mundial para
celebrar a estupidez humana no trato com seus semelhantes. Chamaram-na de
‘Velha’ porque o mundo despreza os velhos. No desfile diário de seu
desatino ela procurava o templo maior dos humanos na esperança de ser
perdoada por não pertencer àquele mundo, por não professar a religião dos
que no Shopping vão depositar as oferendas de suas existências vazias.
Ontem ela resolveu dar o salto maior de sua pobre existência no caminho da
libertação. Ela não queria morrer, o seu salto foi mais uma tentativa vã
rumo à esperança de ser vista, de ser amada, de ser reconhecida como o ser
humano que foi. Paira hoje nas nossas consciências e conseguiu que
olhássemos para ela esmagada no asfalto negro onde, finalmente, tornou-se
IGUAL.
Maria Angélica
Enfermeira”
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