Páginas

quinta-feira, 30 de junho de 2011

A VELHA DO SHOPPING

“Ela nasceu negra, pobre em um país que despreza os diferentes. Cresceu e 
foi ser Enfermeira em um país que desconhece a profissão e teima em não 
valorizá-la. Lutou contra o sistema discriminatório da vida universitária 
que insistiu em lhe dificultar a caminhada. Formou-se e foi cuidar de seus 
semelhantes na esperança vã de ser reconhecida como igual.
Quis a vida, não satisfeita por tê-la premiado com tantas adversidades, 
pregar-lhe mais uma e lhe tirou inesperadamente alguém que era seu norte, 
seu apoio e, quem sabe, o único ser que lhe destinou amor além de ter-lhe 
dado a vida. E ela perdeu seu rumo e se refugiou na mente confusa, cansada 
de tantos revezes. E ela se mascarou para o mundo não perceber quem ali 
estava, ainda na esperança de ser acolhida, tratada como igual.
O mundo não seria o mundo se tivesse resolvido ser solidário àquele ser 
humano por trás da máscara. O mundo seguiu seu ritmo e tornou aquele ser 
em uma caricatura. Nenhuma surpresa quando jovens e adultos transformaram 
o ser real em virtual. Criaram-se comunidades na rede mundial para 
celebrar a estupidez humana no trato com seus semelhantes. Chamaram-na de 
‘Velha’ porque o mundo despreza os velhos. No desfile diário de seu 
desatino ela procurava o templo maior dos humanos na esperança de ser 
perdoada por não pertencer àquele mundo, por não professar a religião dos 
que no Shopping vão depositar as oferendas de suas existências vazias.
Ontem ela resolveu dar o salto maior de sua pobre existência no caminho da 
libertação. Ela não queria morrer, o seu salto foi mais uma tentativa vã 
rumo à esperança de ser vista, de ser amada, de ser reconhecida como o ser 
humano que foi. Paira hoje nas nossas consciências e conseguiu que 
olhássemos para ela esmagada no asfalto negro onde, finalmente, tornou-se 
IGUAL.

Maria Angélica
Enfermeira”

Nenhum comentário:

Postar um comentário